segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Um fim de semana de passeio

Há uns dois ou três fins-de-semana decidimos deixar a confusão da casa e ir passear por aí. Sabíamos mais ou menos para onde íamos, mas decidimos inventar nos caminhos e acabámos por visitar também outros sítios que não contávamos.
Inicialmente fomos pelo parque nacional Kampinos, um parque enorme a noroeste de Varsóvia, com cerca de 38 hectares. É muito bonito, tem imensos caminhos por onde se pode andar a pé, de bicicleta, outros de carro, onde se podem fazer piqueniques, etc. Eu gosto muito deste parque, até porque há uns anos, quando estive em Wiersze (uma aldeia no meio deste parque) fartámo-nos de passear por lá.
Desta vez passámos por um cemitério de guerra onde também já tinha estado antes. Ali, naquelas matas, os alemães nazis mataram montes de polacos em segredo. Claro que as pessoas que moravam para aqueles lados íam-se apercebendo de algumas coisas, mas não diziam nada, com medo de serem também mortas. Mais tarde foi graças a elas que se descobriram as sepulturas. Porque os alemães (e penso que os russos em Katyń e outros locais também fizeram o mesmo) depois de enterrarem as pessoas, plantavam árvores por cima, para ninguém as descobrir. Quando se abriram as valas, alguns corpos foram identificados outros não. No actual cemitério aparecem algumas referências. Por exemplo, encontram-se lá políticos, jornalistas, escuteiros (os escuteiros tiveram um papel relevante na guerra, porque lutaram muito. Acho que não têm muito a ver com o conceito de escuteiro que nós temos hoje em dia), atletas, cientistas, etc. Judeus também, o cemitério assinala cada pessoa, mesmo que anónima, com uma cruz, mas alguns aparecem com a estrela de David. Esta
imagem é de uma placa que se encontra na entrada do cemitério e diz: «É fácil falar da Polónia. Mais difícil trabalhar para ela. Ainda mais difícil por ela morrer. E dificílimo por ela sofrer.» Acho que nesta floresta de Kampinos se escondiam os membros do exército nacional clandestino.
Depois de passarmos por Kampinos, fomos andando pela margem do Vístula e atravessámo-lo mais à frente. Fomos a uma aldeia que tem uma igreja românica que dizem ser muito bonita, mas havia um casamento e praticamente não a vimos. Mas vimos a paisagem, que é muito bonita. Apesar da maioria das árvores ainda estarem verdes, já se começam a ver algumas com as cores típicas de outono, super bonitas.
Nesta altura do passeio, já estávamos a morrer de fome. Começámos a procurar uma tasca qualquer ou um café à beira da estrada para comer alguma coisita. Só que há um pequeno pormenor... Isto não é Portugal, a moda dos cafés não chegou aqui. Então andámos quilómetros sem encontrar nada. Por fim, nessa aldeia onde há a igreja românica, que supostamente é um local turístico, perguntámos onde se podia comer. Achámos que passando por ali tanta gente, devia haver um cafézito. Qual quê! Disseram-nos que só havia uma tasca manhosa. Chegámos lá, aquilo era tipo taberna. Homens a beber cerveja e a ver numa televisão pequena um filme com um atraso brutal entre a imagem e o som. No balcão, uma mulher com ar de taberneira a dizer que não havia praticamente nada para comer. Por fim lá conseguimos arranjar alguma coisa, mas... Já não esperávamos grande coisa. Foi melhor que nada. E depois disto lá continuámos o nosso passeio.
Nesta altura já íamos em direcção a Varsóvia, quando decidimos fazer um pequeno desvio e ir ver as defesas de Modlin. Estas defesas foram construídas penso que no século XIX, incialmente não pelos polacos, pois nessa altura a Polónia estava dividida. Mais tarde, quando a nação se voltou a reconstituir, os polacos melhoraram estas instalações, construiram bunkers e outras defesas. É muito engraçado. Entretanto, a maioria dos edifícios desta fortaleza foram desactivados, só alguns continuam a pertencer ao exército. Penso que talvez tenham sido os comunistas (eles adoravam fazer isto) que adaptaram vários desses edifícios para habitação. Então esta pequena vila é muito engraçada, porque mistura a parte que antigamente foi militar com casas normais. Então parece quase aquelas vilas que ficam dentro das muralhas de um castelo, só que esta é dentro da fortaleza. Ainda tentámos subir ao topo de uma torre que dava para ver tudo muito bem, mas chegámos à hora de fechar. Teve de ficar para outra altura. Durante a IIª Guerra Mundial, diz que esta foi uma das últimas fortalezas a capitular. Aqui vão algumas fotos com descrição:















A vista de um dos antigos edifícios da fortaleza, agora abandonado.



















Um pormenor do edifício anterior: o letreiro branco assinala a entrada para um dos vários bunkers que se encontram a toda a volta.















Aqui encontram-se várias construções como esta, escondidas em pequenos montes. Esta não sei ao certo o que seria, mas algumas eram armazéns e esconderijos.















Um dos antigos prédios militares que agora está dividido em vários apartamentos onde vivem famílias. Os comunistas fizeram isto com imensos prédios antigos, sobretudo casas senhoriais e coisas do estilo. Criaram apartamentos minúsculos, muitas vezes com casas de banho comuns para todo o andar. As parvoíces dos comunas!... Estas casas não sei como eram por dentro, mas não tinham ar de ser tão más.















Aqui o local onde os militares se reuniam. Hoje pareceu-nos que é um local onde se organizam festas. Neste dia havia lá um casamento qualquer.

Estas defesas de Modlin são um sítio engraçado que vale a pena visitar com mais tempo.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Katyń

No dia 17 de Setembro estreou na Polónia, com grande cobertura da comunicação social, o mais recente filme do realizador Andrzej Wajda. Chama-se Katyń. Neste sábado fui vê-lo e devo dizer que é dos melhores que eu já vi.
A história de Katyń não é muito feliz. Katyń é o nome de uma floresta russa, perto de Smolensk, que fica a uns 400km de Moscovo. Neste local deu-se uma das maiores atrocidades da IIª Guerra Mundial perpetrada pelo exército russo.
No dia 17 de Setembro de 1939 (daí a data da estreia ser este dia), os russos atacaram a Polónia, ataque este combinado com o exército nazi. O exército polaco lutou, mas ao ver-se encurralado começou a perder. Durante muito tempo, os polacos esperavam a ajuda de França e do Reino Unido, que nunca chegou, tendo a Polónia ficado à mercê dos que a atacavam. Milhares de militares polacos foram feitos prisioneiros de guerra, uns confiados à guarda dos alemães, e outros à dos russos. Os que foram levados pelos alemães acabaram por ser libertados. Os que foram levados pelos russos tiveram uma sorte um pouco diferente. Estiveram vários meses num campo de prisioneiros de guerra onde esperavam ansiosamente a libertação. A partir de certa altura, todos os dias os militares russos levavam cerca de 200 polacos para a suposta liberdade. Estes polacos não eram apenas militares, havia também engenheiros, professores, escritores, artistas e toda a espécia de intelectuais. Os primeiros a sairem foram os militares de altas patentes. Todos eles foram levados para a floresta de Katyń onde foram assassinados com um tiro na parte de trás da cabeça e enterrados em valas comuns. Eram cerca de 20.000.
Um ano depois, os alemães - que entretanto já tinham quebrado o seu pacto com a Rússia - chegaram até esta região e descobriram as valas comuns com dezenas de milhares de cadáveres de soldados polacos. Num acto de propaganda anti-soviética, levaram até ao local uma equipa de peritos que incluia médicos dos países aliados e da Suíça para analisarem os corpos. Concluiu-se o óbvio: que o exército russo tinha assassinado 20mil prisioneiros de guerra. Só nesta altura os polacos puderam saber o que tinha acontecido aos seus familiares que andavam desaparecidos há quase dois anos. Foi o maior massacre de polacos de toda a guerra.
Entretanto, os russos voltaram a ganhar terreno e os alemães acabaram por perder a guerra. Nesta altura, quando os soviéticos voltaram a Katyń, levaram lá uma nova equipa de peritos (os seus peritos...) que disse que os corpos tinham sido mortos em 1941, ou seja, durante a ocupação nazi daquela região. Logo, a culpa foi dos alemães. No entanto, os polacos bem sabiam de quem era a culpa. Entretanto instalou-se o regime comunista na Polónia e quem quer que dissesse que Katyń tinha sido obra dos russos, era imediatamente levado pela polícia. Durante 50 anos não se pôde falar deste tema.
Gorbachev entretanto admitiu que este massacre tinha sido feito pelo exército soviético e vários documentos que lhe dizem respeito foram entregues ao governo polaco. No entanto, a Rússia recusa qualquer culpa, pois quer proteger alguns dos intervenientes neste crime que ainda estão vivos. O presidente Putin não tem grande interesse em falar no assunto. Ainda agora o presidente da Polónia esteve no memorial de Katyń a lembrar o sucedido e nenhuma delegação da Rússia esteve sequer presente. Pelos vistos, Katyń é ainda uma pedra no sapato.
Agora que já situei no contexto, posso falar do filme. O pai do realizador Andrzej Wajda foi um dos que morreu em Katyń, daí o seu interesse em fazer este filme. Para tal, inspirou-se não só na vida da sua família, mas também num livro chamado Post Mortem, escrito por um homem que conseguiu fugir e não morreu na floresta. Em geral, os militares não fugiram do campo onde estavam porque achavam que iam ser libertados, visto terem o estatuto de prisioneiros de guerra. Enganaram-se. O filme está extremamente bem feito, mostra um lado da guerra que eu desconhecida e sobretudo mostra como as famílias polacas viviam a ausência dos seus entes queridos e os esperavam, mesmo quando não havia qualquer tipo de esperança. Não é o típico filme de guerra, que se concentra só no massacre, mas mostra diferentes perspectivas. Mostra também como no comunismo se castigavam os que diziam que Katyń tinha sido em 1940, logo, da autoria dos soviéticos.
É um filme falado em três línguas (não é à la Hollywood, em que todos falam inglês): em polaco, em alemão e russo (com legendas, claro). Felizmente percebi a maioria do filme e o que não percebia, perguntei. Não é um filme super assustador, como aqueles que mostram Auschwitz ou outras coisas do estilo. Na minha opinião é um filme muito bom. Para os polacos, é mostrar uma realidade que até há poucos anos não se podia falar. Termino apenas dizendo que vi o filme numa sala enorme, tipo S. Jorge, muito boa. Estava cheia. Quando o filme acabou foi arrepiante. Não se ouvia uma palavra na sala. Nem pipocas, nem porcarias do estilo, nem comentários. Acho que as pessoas ainda estavam em choque.
Sei que este filme não vai passar na Rússia de certeza, por ser muito incómodo, mas se ele pudesse passar em outros países da Europa, até em Portugal, acho que valia muito a pena.